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Thayná Sampaio

Cotidianamente doloroso


Não lembro da primeira vez que aconteceu, mas, certamente lembro da última. Foi hoje, enquanto eu fazia o curto trajeto da parada de ônibus para a minha casa. Eles me olhavam daquela maneira agressiva e repugnante, como se quisessem que eu soubesse exatamente o que eles estavam pensando de mim e do meu corpo. O mesmo corpo que eles despiam com o olhar, estava agora palpitando de medo. Foi aterrorizante perceber que eles me seguiam, foi humilhante correr e ouvir aquelas risadas, foi revoltante perceber que eles fizeram com que (por uma fração de segundos) eu me arrependesse de ter saído de casa com aquele vestido.

Muitos conhecidos insistem em dizer que eu sou sensível demais por sempre chegar em casa chorando quando isso acontece, outros sugerem “delicadamente” que eu use mais calças e blusas que cubram meus ombros. Será que é “ser sensível demais” se indignar e se sentir invadida por essas violências diárias? O que nós, mulheres, fizemos para merecer viver em um mundo onde não podemos andar sem medo pelas ruas da maneira que nos sentimos bem? Por que nós devemos nos submeter a conviver com palavras que ferem, olhares que constrangem e com o medo crônico de um estupro? Por que nós devemos aceitar que “homens não podem se controlar” e continuar sendo humilhadas, violentadas e invadidas todos os dias?

No início, eu sentia vergonha e culpa, eu não entedia o porquê de sempre acontecer aquilo comigo, depois eu entendi que a culpa não era minha, nem de qualquer outra mulher que passa pelo mesmo tipo de situação, esses homens foram ensinados a nos ver como objetos, produtos expostos em uma vitrine invisível, onde eles podem gritar aos quatro ventos suas opiniões e seus comentários mais sórdidos. Isso não é normal, não, moça. Nunca vai ser. Uma sociedade que não aceita que uma mulher possa amar outra, mas que permite e que naturaliza que um homem fale dos genitais de alguém que ele nem conhece, na rua, pode ser chamada de doentia.

Hoje, eu consigo falar abertamente sobre isso, consigo lidar com todos os assédios que já sofri sem me sentir culpada. Hoje, eu descobri que existe uma força que me faz resistir, que me faz gritar contra o machismo, que me faz chorar diante da violência, que me faz lutar contra todo tipo de abuso e coerção social. Hoje, eu descobri que todas nós temos essa força, que temos que nos erguer e dizer que não, que basta! Hoje, eu descobri que eu não estou sozinha.

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