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Ronaldo Salgado

Praça, memória e afeto


A controversa proposta do prefeito Roberto Cláudio de pôr abaixo a Praça Portugal para instalação de um imenso cruzamento nas avenidas Desembargador Moreira e Dom Luis, em cujas laterais se ergueriam quatro cantos de praça, merece meu repúdio por uma simples razão. Veio imposta goela abaixo, sem nenhum diálogo com a sociedade, e é um apagador de memória – afetiva, cultural, individual, coletiva…

As palavras do prefeito para justificar a destruição da praça não são dignas de quem tem a responsabilidade de gerir uma cidade que abriga quase três milhões de habitantes, um tanto a favor, sim, da proposta; outro tanto inteiramente contrário. Isso, por si só, já seria importante para que se levasse em conta a necessidade de ouvir mais atentamente os diversos segmentos da sociedade. A questão não é implodir a praça atual. Por que não pensar numa reforma, num aperfeiçoamento do espaço, mantendo-lhe as características principais e acrescentando detalhes que beneficiem as pessoas?

Eu, por exemplo, tenho e trago em meu peito e em minhas remembranças um sentimento afetivo em relação àquele espaço de Fortaleza. Simplesmente porque vivi experiências maravilhosas ao lado de amigos naquele logradouro nos tempos da feirinha da Praça Portugal, que recebia gente de todos os recantos para prosear, paquerar, conviver, trocar experiências e sentimentos, vivenciar o outro, compartilhar sorrisos e lágrimas, festas e alegrias, antes de cair nas baladas noturnas.

Comidas típicas e artesanato, cultura e ócio, prazer e energia moldaram a personalidade e a vida de muita gente que se encantava com o espaço e o transformava em um lugar cativo de bem-querença, amizade e agito. Quantos namoros ali iniciados não redundaram em famílias, por exemplo, em cuja memória ainda vive a Praça Portugal? Quantos laços e pactos de amizade foram estabelecidos e sedimentados? O prefeito pode até argumentar – como realmente o fez – de que a Praça Portugal não é praça. Ou, até mesmo, num discurso cínico e vazio afirmar que ninguém vive do passado. Mas a Praça Portugal é, sim, uma praça; e o passado é importante.

Ora, não haveria presente nem futuro sem o passado vivido. A vida escoa deixando marcas, significados, sentimentos, experiências, e molda o que fomos, somos e seremos. Isso tudo resulta em memória – individual e coletiva –, e as cidades, todas as cidades, com ruas, avenidas, praças, monumentos, espaços públicos e privados, são signos da existência, representação material e imaterial da vida. Portanto, a Praça Portugal carrega consigo toda essa carga de civilização e conhecimento, memória e sentimento, a dimensão concreta e abstrata de tudo que nos forma como seres humanos.

Demolir tudo literalmente não é uma boa proposta levando-se em consideração o que a praça representa para a vida das pessoas que a frequentam ou frequentaram. O ideal seria buscar corrigir o que não tem funcionalidade e aperfeiçoar o espaço, ouvindo especialistas dos mais diversos matizes e reforçando a identidade dele como praça. Agindo assim, o prefeito deixaria de lado a postura monocrática com que agiu ao apresentar a proposta e daria à sociedade a chance de também poder participar desse processo de mudança que, afinal, diz respeito à cidade como um todo e não só ao modo de governar de uma única pessoa.

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