A luta por uma vida tranquila e ativa
- Francisco Marcelino
- 17 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Em 17 de abril, celebramos o Dia Mundial da Hemofilia, doença genética que acomete 540 pessoas em todo o Ceará

Quem me vê hoje, aos 38 anos de idade, praticando esportes não sabe o quanto eu sofri na infância por não poder realizar atividades comuns a toda criança. Em 1982, aos 6 anos de idade, fui diagnosticado com hemofilia tipo A grave (deficiência do fator VIII de coagulação do sangue).
Quando pequeno, não podia brincar de correr, andar de bicicleta e jogar futebol. Até mesmo ir ao colégio exigia inúmeros cuidados.
O dia 17 de abril me é sempre uma data para lembrar. Lembrar da minha própria condição e da condição vivida pelos outros 539 hemofílicos de todo o Ceará. Hoje é o Dia Mundial da Hemofilia.
Infelizmente, por conta do isolamento social necessário à não propagação do coronavírus, a Associação dos Hemofílicos do Estado do Ceará precisou suspender, este ano, a programação alusiva a essa data tão importante para nós.
Em anos anteriores, a data contou, no Ceará, com diversas atividades educativas e culturais abertas ao público, realizadas no Hemoce e nos hemocentros regionais de Quixadá, Crato e Sobral, que fazem a hemorrede estadual do Ceará.
Voltada especialmente a pacientes e familiares das pessoas com hemofilia, a programação contava com um ciclo de palestras e com atrações socioculturais voluntárias.
A HEMOFILIA
A hemofilia é uma doença genética e hereditária que impede a coagulação do sangue. Ela provoca sangramentos por mais tempo, ou seja, um simples corte pode resultar em uma hemorragia interna na pessoa com hemofilia e causar sérias complicações se não for tratada rapidamente.
Para informar sobre diagnóstico, avanços e desafios do tratamento da doença, o estado do Ceará conta com o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), da rede pública do Governo do Ceará.
O Hemoce é o único centro de referência do Ceará para o atendimento das pessoas com hemofilia em todas as faixas etárias. O hemocentro de Fortaleza coordena todo esse trabalho e também supervisiona o tratamento nas unidades regionais.
AVANÇOS NO TRATAMENTO
Na década de 1980, o tratamento para as pessoas com hemofilia era feito por meio de transfusão de sangue. Era necessário transfundir com o crioprecipitado (componente do sangue retirado do plasma). Era uma penitência, tinha que vir cinco dias seguidos para cessar o sangramento. Além disso, o acompanhamento só era feito por demanda, caso sentisse alguma coisa.
Desde 2008, o Ministério da Saúde implantou em todo o país um novo tratamento, a profilaxia, uma medida preventiva realizada para evitar casos de sangramentos. O paciente recebe a infusão do fator de coagulação deficiente de duas a três vezes por semana.
Hoje a autoinfusão pode ser realizada em casa e nós, pacientes, não precisamos nos deslocarmos semanalmente para injetar o fator de coagulação em alguma unidade de saúde. Ele faz a solicitação da quantidade necessária para um período de 30 dias e retorna para a avaliação apenas uma vez no mês.
O avanço no tratamento facilitou a nossa vida. Com a chegada dos fatores de coagulação ao Brasil, nossa qualidade de vida melhorou. Agora, uma vez por mês, podemos pegar o fator no Hemoce e nós mesmos aplicamos em casa. Isso me permite levar uma vida mais tranquila.
CONQUISTAS
Hoje sou bacharel em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), curso Ciências Sociais na Universidade Federal do Ceará (UFC) e estou presidente da Associação dos Hemofílicos do Estado do Ceará (Ahece) e também estou diretor administrativo da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH).
Tenho essa vontade de ajudar outras pessoas porque eu fui o primeiro da família diagnosticado com essa deficiência e tive que enfrentar muitas dificuldades pelo desconhecimento de toda a rede de saúde, inclusive nos dias de hoje, apesar de já termos investido muito na educação da rede de saúde.
Depois do meu diagnóstico, tenho já cinco primos e um sobrinho com essa mesma deficiência. Uma das nossas conquistas como Ahece — e principalmente com o apoio do Hemoce e de alguns deputados — foi a pessoa com hemofilia ter o direito ao passe livre intermunicipal, já que alguns de nós, pacientes do Ceará, realizamos o tratamento fora de nossa cidade. Desde o diagnóstico da doença até hoje, o meu tratamento é realizado no Hemoce. Já são 38 anos de uma história de companheirismo, amor e cuidado.
ATENDIMENTO
O Hemoce atende as pessoas com hemofilia há 34 anos e, a partir de 2008, em parceria com o Ministério da Saúde, o fator de coagulação para suprir a ausência dos fatores deficientes dos hemofílicos passou a ser distribuído para os pacientes levarem para casa.
Atualmente, as consultas são feitas com hematologistas regularmente no Hemoce e nós, pacientes, levamos a medicação para fazer a autoinfusão em casa, seguindo as recomendações médicas.
Em Fortaleza, o atendimento acontece de segunda a sexta-feira, das 7 às 18h, na sede do Hemoce (Av. José Bastos, 3390, Rodolfo Teófilo). Já a farmácia que oferece o fator de coagulação (localizada no mesmo endereço) fica aberta 24h, pelos sete dias da semana.
Nas unidades, nós, hemofílicos, somos assistidos por uma equipe multidisciplinar composta por médicos, farmacêuticos, bioquímicos, enfermeiros, fisioterapeutas, odontólogos, assistentes sociais e psicólogos.
Francisco Marcelino é presidente da Associação dos Hemofílicos do Estado do Ceará (Ahece) e estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC).