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Diário

  • Mariana Correia
  • 30 de jun. de 2024
  • 3 min de leitura
Ilustração: Taís Lustosa


diário.


Acabei de sair da faculdade e estou à espera do meu ônibus, ao meu lado tem um casal de mulheres de mãos dadas que, vez ou outra, trocam beijos. Tento ser discreta ao reparar, mas fico com um sorriso bobo na cara.

Dou sinal, subo no transporte e, de repente, entro em um certo transe ao relembrar da primeira vez que vi um beijo lésbico.


Estava assistindo série com meu pai, uma das personagens secundárias admitiu sentimentos por outra mulher e elas se beijaram. Foi chocante.

Eu, com uns 13 anos, não sabia que isso era possível, minha cabeça ficou esquisita enquanto eu ouvia uma voz grave e forte dizendo “era só o que me faltava, essas coisas são desnecessárias e nojentas.”


De alguma maneira aquilo internalizou em mim. Inclusive, lembro-me que tentei cultivar aquele nojo, aquele desgosto, ao simplesmente ver duas pessoas do mesmo sexo demonstrando afetos amorosos. Porém, naquele mesmo dia, pesquisei escondida pela cena e a assisti em loop constante. Não senti tanta repulsa, na verdade, senti uma tímida curiosidade (algo que definitivamente assustou a “mini eu”).


Com passar dos anos, meus desejos e sentimentos românticos/sexuais começaram a florescer. De pouco em pouco as dúvidas aumentavam, as inseguranças cresciam, a realidade de que meninas se gostam estava cada vez mais palpável e as peças do quebra cabeça iam se encaixando. Tudo era tão novo e interessante, mas, também, tão difícil e assustador.

Eu não queria ser assim.


Entretanto, aos meus 15 anos começou todo aquele negócio de “se descobrir”.


Significados da palavra descobrir:

1. retirar o que cobre algo, remover uma certa camada que encoberta.

2. tornar conhecido, buscar conhecer algo até então ignorado.


E, quase como acompanhante VIP desse tal de “se descobrir”, vem a “aceitação”.


Significado de aceitação:

1. Ato ou efeito de respeitar, aprovar e acolher; receptividade


É difícil.

Sinceramente, é um processo bastante solitário.

Não tive apoio familiar, a heterocompulsividade me perseguia, na escola era tratada como anormal, perdi amizades, segurança e conforto eram privilégios inalcançáveis… não me sentia bem dentro de mim. Ser eu doía. Por isso, me esconder e me recriminar parecia ser a melhor opção em qualquer lugar que eu estivesse.


Então, por necessidade e comodidade, transformei meu quarto no meu único refúgio e lá comecei a me aventurar no universo queer pra valer. UAU! Entrar em contato com personagens e histórias (reais ou ficcionais) que você se identifica me ajudou bastante e continua a me ajudar para enfrentar questões atreladas a minha sexualidade.


A cada filme, série, desenho, arte plástica, livro, quadrinho e música que eu consumia, mais eu me sentia melhor. Me sentia normal. Ver boa representatividade me fez compreender que minha existência não é um erro. Aprendi a me gostar, me amar, me entender e a me abraçar.

Ter esse espaço seguro é fundamental.


O ônibus passou por cima de uma lombada e saio do mundo da lua, percebo que já estou na minha parada, desço e caminho até chegar em casa. Vou direto para a cozinha, onde encontro todos assistindo a novela das oito, justo naquele momento um personagem LGBT+ aparece e escuto minha família dizer que o mundo está perdido, “virou baderna esse negócio de ter viado em tudo quanto é canto”. Sem deixar que aquilo me atinja tanto, sigo para meu quarto (ou como gosto de chamar: meu refúgio, meu cantinho de paz).


Debruçada na cama, sinto um aperto no peito ao refletir que tudo o que reivindicamos é poder viver. Sempre foi e sempre será assim. Merecemos uma vida digna, com direitos assegurados, respeito e amor. Espero que a coragem, a força e o orgulho do povo queer sempre nos impulsione na luta pela igualdade.

Reconheço e sou grata por nossas diversas conquistas ao longo da história, sei que nunca iremos nos calar.


A comunidade LGBT+ existe, resiste e insiste!

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